segunda-feira, 11 de maio de 2009

O Brasil e a crise mundial - Dez razões para o otimismo

O Brasil e a crise mundial - Dez razões para o otimismo

Giuliano Guandalini, Benedito Sverberi e Cíntia Borsato – Veja 04/03/2009

Avaliada pelos últimos indicadores de desempenho econômico e em vista de seu brilhante passado recente, a economia brasileira inspira preocupação. Milhares de profissionais valiosos perderam seu emprego nas indústrias mais dependentes do ambiente externo, como a Embraer, em que 4 200 demissões foram anunciadas – 20% de toda a força de trabalho da empresa. A inadimplência das famílias atingiu em janeiro o maior nível desde maio de 2002. A desaceleração do PIB é severa. Parece, portanto, não haver espaço para otimismo. Mas, como o otimismo tem de ser encontrado justamente nesses momentos mais duros, VEJA foi buscar razões que, realisticamente, nos permitissem afirmar que o Brasil vai escapar – mesmo que com escoriações – da surra que a economia mundial está levando nos cinco continentes. Logo no começo da encrenca, VEJA afirmou em uma Carta ao Leitor que o Brasil tinha chance de ser um dos últimos países a entrar na crise e poderia estar entre os primeiros a sair dela. É o que esta reportagem reafirma.

Seis meses depois da eclosão do turbilhão econômico que varreu Wall Street, com reflexos no mundo todo, a fase mais aguda da crise pode estar chegando ao "fim do começo" sem que os prognósticos mais funestos tenham se abatido sobre o Brasil. A economia brasileira já sofre, e sobre isso não há dúvida. Mas é consenso que o Brasil será um dos países menos afetados. Concordam com esse diagnóstico organizações como o Fundo Monetário Internacional, o Banco Mundial e a OCDE, a organização econômica dos países ricos. Com a ajuda de alguns dos melhores economistas do país, VEJA escolheu as dez principais razões de otimismo, resumidas e classificadas por sua solidez. A reportagem avança com um alerta sobre o calcanhar-de-aquiles da economia brasileira, o descontrole do gasto público de péssima qualidade, e se completa com uma coluna também otimista do economista Maílson da Nóbrega, com o sugestivo título "Por que o Brasil não quebra".

1 RESERVAS DE 200 BILHÕES DE DÓLARES INTOCADAS DEPOIS DE SEIS MESES DE CRISE

Passada a fase mais aguda da crise financeira internacional, as reservas brasileiras em moeda forte estão praticamente no mesmo volume. Permanecem no patamar de 200 bilhões de dólares. Pequena parte dos recursos foi usada até aqui, enquanto outros países torraram suas economias na tentativa de defender suas moedas – as reservas russas, por exemplo, já encolheram em quase 100 bilhões de dólares. "Ter acumulado esse colchão foi, certamente, um dos principais fatores de estabilidade", afirma o economista José Júlio Senna, ex-diretor do Banco Central e sócio da MCM Consultores. Graças a essas reservas, o setor público brasileiro liquidou o antigo drama da dívida externa, historicamente o grande calcanhar-de-aquiles do país em momentos de turbulência financeira. Basta lembrar que, nas crises de 1998 e 2002, o governo teve de recorrer a empréstimos emergenciais do Fundo Monetário Internacional (FMI) para restabelecer a confiança dos mercados e fechar as contas externas. Alexandre Schwartsman, economista-chefe do Santander e também ex-diretor do BC, diz que as reservas ainda trazem outro benefício essencial. Com elas, o país tornou-se credor em dólar. "Sendo credor, em vez de devedor, o país ganha com a desvalorização cambial ao ter sua dívida pública reduzida. Antes ocorria o contrário. Mais uma evidência forte de que, desta vez, o país não quebrará." Vale mencionar que o Banco Central também controla reservas internas de 186 bilhões de reais, correspondentes ao depósito compulsório retido dos bancos (esse valor era de 270 bilhões de reais antes da crise). Se houver uma nova fase de restrição ao crédito, como aconteceu de setembro a novembro de 2008, será possível usar ainda parte desse dinheiro para irrigar o sistema financeiro.

2 BANCOS COMPETENTES, REGULADOS, COM BAIXA EXPOSIÇÃO A RISCOS

O Tesouro americano anunciou na semana passada que vai tornar-se o maior acionista do Citigroup, com até 40% do capital do banco. Será uma forma de impedir o colapso da instituição, impensável até há pouco. É improvável que uma crise como a que assola o sistema financeiro dos Estados Unidos seja vista no Brasil. Os bancos americanos endividaram-se irresponsavelmente emprestando fortunas a quem não podia pagar. As instituições financeiras brasileiras (ao menos as maiores delas), ao contrário, possuem ativos saudáveis e são cautelosas. Essa prudência, fundamental na proteção do país contra a crise, resulta de traumas históricos e da ação exemplar do Banco Central (BC). Sobretudo na elaboração e na execução do Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento do Sistema Financeiro Nacional (Proer), implantado entre 1995 e 2000. O Proer é hoje tido como um dos mais bem-sucedidos planos da história. "Esse programa de saneamento foi a face mais visível de um processo que mudou a regulação bancária brasileira. Desde então, o BC manteve a seriedade na fiscalização e na supervisão do sistema financeiro", diz o economista Gustavo Loyola, que presidiu o Banco Central naquele período. Por sua parte, os maiores bancos nacionais entronizaram a cautela como critério fundamental de gestão financeira. Exemplo disso: os cinco maiores bancos do país elevaram em 7 bilhões de reais as provisões adicionais para créditos duvidosos no último trimestre do ano passado. Já nos Estados Unidos, o nível de empréstimos concedidos pelos bancos continuou crescendo mesmo quando a inadimplência dava sinais de que poderia sair do controle. Bancos sólidos, num mundo em que o sistema financeiro derrete, representam um diferencial importante. Outro diferencial, não menos vital, é que os derivativos, instrumentos financeiros que saíram de controle em Wall Street, destruindo bancos de investimento centenários, no Brasil são liquidados em bolsa (na BM&F), o que assegura controle e ajustes adequados.

3 AUSÊNCIA DE BOLHAS DE CRÉDITO E IMOBILIÁRIA, COM POTENCIAL DE CRESCIMENTO REAL DESSES SETORES

A situação financeira das famílias e da maioria das empresas brasileiras permanece sob controle. Não houve aqui o mesmo processo de formação de bolhas de crédito que volatilizou a economia de países como a Islândia, a Irlanda, a Hungria, a Inglaterra e, sobretudo, os Estados Unidos. O Brasil nem chegou perto de experimentar um boom imobiliário. "O país acabou tendo a sorte de ter chegado atrasado à forte expansão do crédito internacional", diz Claudio Haddad, presidente da escola de negócios Ibmec em São Paulo. "A única bolha que tivemos foi a da Bovespa, já desinflada." O total de crédito disponível hoje na economia brasileira equivale a 40% do PIB, um volume muito inferior àquele observado em nações desenvolvidas e até mesmo em boa parte das emergentes. Nos Estados Unidos, país que gestou os maiores excessos financeiros da história, a relação crédito-PIB é o sêxtuplo da brasileira (veja o quadro ao lado). Para o economista José Júlio Senna, no entanto, essa atual "vantagem" da economia brasileira também decorre de mazelas estruturais. Diz Senna: "A baixa alavancagem de empresas e das famílias se deve em grande parte a deficiências de nosso sistema econômico. Exemplos: juros muito elevados, excesso de tributação de operações financeiras e direcionamento artificial do crédito para setores considerados prioritários". Para o economista Edmar Bacha, esses são alguns dos vícios que paradoxal e momentaneamente se transformaram em virtudes. "Em uma situação de normalidade, eles precisarão ser atacados com reformas". Bacha refere-se ao sistema bancário concentrado e com alta participação de letárgicos bancos públicos, às taxas de juros elevadas e aos compulsórios extravagantes".

 

4 MERCADO INTERNO FORTE, CRESCENDO EM PODER DE COMPRA E EM PROPORÇÃO DA POPULAÇÃO  Com o declínio da pobreza, a chamada classe C (renda familiar entre 1.115 e 4.807 reais mensais) representa a maior parte da população brasileira e continua virtualmente imune à crise. É a nova classe dominante do país, formada por consumidores emergentes. O potencial de expansão é enorme. Ao lado da China e da Índia, o Brasil é um dos poucos países com parcelas significativas de sua população ainda não incorporadas ao mercado de consumo. Trata-se de um fator essencial na atração de investimentos. Segundo estudo coordenado por Marcelo Neri, da Fundação Getulio Vargas, o processo de diminuição da miséria prosseguiu em 2008, mesmo depois do agravamento da crise – ou seja, o mercado consumidor do país continuou a se expandir. Contribuem para isso a inflação sob controle e as políticas assistencialistas. "Se o pacote habitacional para a baixa renda sair do papel, a classe C sairá ganhando ainda mais", afirma André Torrettá, diretor da Ponte Estratégia, empresa especializada em marketing para classes baixas.

 

 

5 MATRIZ ENERGÉTICA MAIS "VERDE" DO MUNDO, COM INDEPENDÊNCIA DO PETRÓLEO IMPORTADO Metade dos combustíveis utilizados pela economia brasileira é originária de fontes renováveis, como a energia hidráulica e o etanol de cana-de-açúcar. O Brasil conta ainda com enorme potencial hídrico a ser explorado na Região Norte. Essas fontes renováveis não poluem o meio ambiente, são mais baratas e compatíveis com uma economia moderna e sustentável. "O Brasil é um dos poucos países que combinam recursos hidráulicos, domínio da tecnologia da energia renovável e tem agora a benesse das megarreservas do pré-sal, que só dependem de uma atualização do marco regulatório para atrair a participação mais intensa do setor privado", afirma Carlos Langoni, ex-presidente do Banco Central e diretor do Centro de Economia Mundial da Fundação Getulio Vargas. A descoberta das reservas de pré-sal, a 6 000 metros de profundidade, além de consolidar a autossuficiência do petróleo (que, a rigor, ainda não chegou), transforma o Brasil em exportador de petróleo.

  6 ESTABILIDADE POLÍTICA, EM QUE A DEMOCRACIA FOI ENTRONIZADA COMO PATRIMÔNIO NACIONAL  A previsibilidade econômica de um país, alicerce primordial do desenvolvimento duradouro, começa pela previsibilidade política. Esses dois pilares distinguem fundamentalmente o Brasil de países-problema como a Venezuela de Hugo Chávez, que rasgou contratos e afugentou o capital externo. Diz Carlos Langoni, da FGV: "Há uma percepção, não apenas interna como do ponto de vista dos investidores internacionais, de que a democracia brasileira está consolidada. Esse será o grande legado do governo Lula. Independentemente de quem for eleito presidente, não haverá mudanças traumáticas na política econômica, e sim um processo gradual de modernização institucional e implementação de reformas básicas, entre elas a tributária, a previdenciária e a trabalhista". A rigor, as mudanças vieram antes de Lula e foram mantidas em seu governo. O Brasil de hoje é resultado de um processo ocorrido nos últimos quinze anos, em que se estabeleceram no país poderosas restrições culturais e institucionais ao populismo.

7 ESTABILIDADE ECONÔMICA E ARCABOUÇO REGULATÓRIO IMPERFEITO MAS PREVISÍVEL Pode parecer banal receber de troco uma moeda de 10 centavos cunhada em 1994, o ano do lançamento do Plano Real. Mas isso é indicador da maturidade de um país que, entre 1986 e 1994, teve quatro moedas diferentes. Hoje o Brasil funciona seguindo as regras de um arcabouço que, mesmo imperfeito, é previsível. O país acaba de completar dez anos sob o mesmo regime de câmbio flutuante e metas de inflação. Esses instrumentos, aliados às metas de superávits primários, asseguram a previsibilidade da gestão econômica, requisito essencial à atração de investimentos produtivos – o fator que determina o potencial de crescimento de um país. "A evolução que o Brasil teve desde meados dos anos 80 e a corajosa decisão de Lula de manter a política econômica do governo anterior colocaram o país em posição privilegiada neste momento. Quanto mais tempo o Brasil passar sem retrocessos significativos na gestão da economia, menor será o risco de sofrermos um estrago", afirma Maílson da Nóbrega.

 8 MAIOR EXPORTADOR DE ALIMENTOS DO MUNDO, O QUE GARANTE VENDAS EXTERNAS VOLUMOSAS EM QUALQUER CENÁRIO

Em tempos de crise, as famílias tendem a reduzir a compra de bens duráveis, mais dependentes de crédito, como carros e eletroeletrônicos. E aumentam – ou ao menos mantêm – o consumo de produtos básicos, como alimentos. Existe uma explicação simples para isso: as pessoas não vão deixar de comer. Portanto, ainda que se verifique uma redução nas cotações das mercadorias exportadas pelo país, a venda de comida (soja e carne, principalmente) trará neste ano pelo menos 50 bilhões de dólares em divisas para o país. O Brasil tem a maior fronteira agrícola do mundo – isso sem avançar um centímetro na Floresta Amazônica. São 355 milhões de hectares aráveis, dos quais apenas 20% são utilizados para plantações. Essas áreas equivalem a dez vezes o território da Alemanha ou 12% das terras que ainda podem ser ocupadas com a agricultura em todo o planeta. Um estudo do Ministério da Agricultura, divulgado na última sexta-feira, aposta em um "grande potencial de crescimento" do agronegócio nacional nos próximos anos. O entusiasmo do governo se justifica pela necessidade de reposição de estoques em um mundo que terá consumo crescente de produtos agrícolas.

 9 MERCADO EXTERNO DIVERSIFICADO COM COMPRADORES EM TODO O MUNDO E MERCADORIAS DE VALOR AGREGADO CRESCENTE

As empresas exportadoras brasileiras vendem seus produtos para o mundo inteiro, o que as protege e ao país dos efeitos mais violentos de uma crise, como a atual, que se mostra mais intensa nos mercados americano e europeu. A título de comparação, cerca de 80% das exportações do México destinam-se aos Estados Unidos. Calcula-se que 20% do PIB mexicano dependa dos humores do vizinho do norte, hoje em recessão. Já o Brasil direciona apenas um sétimo de suas exportações ao mercado americano – o equivalente a 2% de seu PIB. A clientela dos produtos nacionais está relativamente bem distribuída, como ilustra o quadro ao lado. Uma ressalva necessária: a diversificação reduz os efeitos do contágio externo, mas, é claro, não impede que o país sofra os efeitos de um inverno nuclear no comércio externo. Diz a economista Eliana Cardoso, professora da FGV: "Temos uma pauta diversificada tanto em produtos quanto em compradores, e isso nos dá algum grau de flexibilidade. Contudo, isso não será suficiente para compensar as perdas com o recuo generalizado da demanda mundial".

10 AS MESMAS PROJEÇÕES QUE APONTAM ESTAGNAÇÃO NO MUNDO ESTIMAM CRESCIMENTO DO PIB DO BRASIL EM 2009

A economia brasileira cresceu em uma velocidade superior a 5% nos últimos dois anos, batendo a média mundial – algo que não ocorria havia mais de duas décadas. Em 2009, apesar da forte desaceleração, o país conseguirá ao menos se consolar com a proeza de, por mais um ano, avançar mais rápido que o mundo. Não é pouca coisa para um país que na década de 90 era o primeiro a ser cuspido para fora do vagão quando o trem mundial brecava de repente. A expectativa é que o Brasil cresça em torno de 1,5%, contra projeções de uma sombria estagnação, de 0,5%, na média mundial. Na semana passada, a vice-presidente do Banco Mundial para a América Latina e o Caribe, Pamela Cox, afirmou que o Brasil e o Chile serão os países que menos sentirão os efeitos da crise financeira na região. Nesse sentido, um relatório da OCDE (organização que congrega os países mais industrializados do mundo) indicou que a maioria das economias analisadas sofrerá uma "forte desaceleração" – a mais intensa desde a crise do petróleo, há três décadas –, mas o Brasil é o único em que, ao menos até o momento, a freada não mereceu a classificação de "forte".

Do vício à virtude , Edmar Bacha - Valor Econômico - 13/03/2009
Bacha: "Uma coisa preocupante é a antecipação da campanha eleitoral de 2010, com embates agressivos entre governo e oposição"
Há defeitos estruturais da economia brasileira que podem virar vantagens num ambiente de crise mundial. Uma economia relativamente fechada, pouco dependente de financiamento externo, dotada de bancos públicos como o BNDES, capazes de compensar a redução dos investimentos privados, numa sociedade pouco tomadora de crédito, com juros elevados, empresas e famílias não "alavancadas", tem melhores condições de resistir a uma parada e reversão súbita dos fluxos de financiamento externo. Certos vícios que demandam correção para propiciar um desenvolvimento sustentável podem constituir um capital temporário de resiliência possível de ser utilizado, de forma criteriosa, contra os efeitos da contração global da liquidez.

O Brasil tem conquistas econômicas e sociais para preservar. É possível transformar vícios em virtudes, acredita o economista Edmar Bacha, diretor do Instituto de Estudos de Política Econômica, do Rio (a Casa das Garças), e consultor sênior do Banco Itaú-BBA. Bacha lançou em São Paulo, na segunda-feira, a antologia "Como Reagir à Crise" (Imago Editora), organizada em conjunto com Ilan Goldfajn, com 20 artigos de economistas sobre políticas para superar a recessão mundial. Entre os debatedores da Casa das Garças figuram Pedro Malan, Gustavo Franco, André Lara Resende, Armínio Fraga, Francisco Lopes, Alkimar Moura e Dionísio Dias Carneiro. Ex-presidente do BNDES e membro da equipe responsável pelo Plano Real, Bacha vê com preocupação uma antecipação da campanha eleitoral que venha fomentar um embate agressivo entre governo e oposição no momento em que a crise se aprofunda. Nesta entrevista, ele explica por que é hora de convergência.
Valor: Muita gente diz que esta crise pode ser uma oportunidade fecunda para melhorar o sistema capitalista. O sr. acha que isso implicaria redefinir limites para o mercado?
Edmar Bacha: Para o mercado financeiro, certamente. Boa parte dos problemas que estamos enfrentando se deve ao crescimento desordenado dos mercados financeiros sem regulação apropriada. Mas o que exatamente quer dizer uma regulação apropriada no contexto da crise ainda não está claro. Um componente importante, muito difícil de visualizar, é a questão da internacionalização dos mercados financeiros no contexto de regulações nacionais: como vamos criar mecanismos regulatórios internacionais compatíveis com a existência de mercados financeiros globais? A última coisa que vamos querer fazer, eu acho, é regredir a um tempo pretérito em que os mercados financeiros eram nacionais, regulados nacionalmente. Na verdade, o maior desafio para mim é esse.
Valor: André Lara Resende nota, neste livro, que o "excesso de inovação" financeira só é ruim quando desanda. Esquecem-se os benefícios que essa criatividade ajudou a trazer, uma onda de prosperidade e de inclusão social inéditas na história. Nos Estados Unidos, a concessão de empréstimos imobiliários para tomadores não qualificados foi promovida pelo governo Clinton como uma democratização do crédito.
Bacha: É claro. Esta questão do modelo, agora tão maldito, de que os bancos de investimento não mais carregavam posições, mas geravam produtos, depois reempacotavam o produto, geravam financiamento, reempacotavam o financiamento e distribuíam pelo mercado, isso, em princípio, é uma boa ideia, porque permite uma maior diversificação de riscos e uma ampliação do escopo do mercado para atingir áreas antes não atingidas no sistema tradicional dos bancos comerciais. Então você fala: "O problema é que se abusou desse modelo e agora precisamos garantir que isso não se repita mais." Mas vai se repetir. Não adianta você achar que vai conseguir constranger a criatividade dos agentes econômicos para ultrapassar regulações. O que não quer dizer que não tenha de regular. Crises financeiras o mundo tem há muito tempo.
Valor: Segundo o artigo de Francisco Lopes, desde 1854 a economia americana já passou por 31 recessões.
Bacha: É, mas esta é das grandes. Esta vai ser muito especial.
Valor: Sabe-se como é forte nos Estados Unidos o repúdio ao socorro público de trilhões de dólares, libras e ienes para empresas privadas. Num país que acreditava na supremacia dos agentes econômicos privados sobre os públicos, parece ter havido um abalo ideológico.
Bacha: Terá de haver uma reavaliação disso no setor financeiro. Eu me lembro da primeira vez, lá por volta de setembro, em que mencionei a amigos americanos a possibilidade de nacionalização dos bancos. Eles diziam: "Não, isso é antiamericano." Atenção, não se está falando de nacionalização permanente. No Brasil, foi possível superar esse problema com o Proer, mas era um problema limitado. Foi possível vender a parte podre do sistema para bancos que estavam saudáveis. A natureza do problema americano é muito mais grave, por que se trata do conjunto do sistema financeiro. Não há para quem vender.
Valor: Se recursos públicos devem ser investidos em empresas privadas no interesse do próprio público, não deveria haver critérios? O socorro das montadoras de automóveis não deveria ser condicionado à produção de carros menos poluentes? A CUT reclama por que o governo prorrogou a redução do IPI das montadoras sem nenhum compromisso com a manutenção de empregos.
Bacha: Acho que é preciso separar bem, nessas decisões de condicionalidade, entre problemas de curto prazo, que visam minorar o custo da crise para os agentes mais pobres, menos protegidos, e as questões de longo prazo, que visam manter uma economia dinâmica, inovadora e aberta. Essa questão de condicionar a ajuda à manutenção do emprego, por exemplo, eu acho que tem soluções melhores. Por que não ampliar o seguro-desemprego? Por que não criar empregos públicos temporários? Por que não dar mecanismos de retreinamento financiado para os trabalhadores que estão sendo deslocados?
Valor: Barack Obama mandou ao Congresso um orçamento de US$ 3,9 trilhões para enfrentar a crise, US$ 643 bilhões para a construção de um sistema de saúde público e US$ 646 bilhões para uma matriz de energia renovável. O déficit público vai a US$ 1,7 tri. O que o sr. acha?
Bacha: Acho que, infelizmente, vai ser insuficiente. Tem gente que faz as contas chegando à conclusão de que o pacote de recuperação é insuficiente para uma retomada econômica. Dizem que será preciso outro no ano que vem. Outros US$ 800 bilhões. Realmente, essa é uma crise de dimensões inusitadas. Quanto ao compromisso com a sustentabilidade, eu acho muito bom. Há aí uma possibilidade histórica de atacar de forma direta as externalidades negativas da produção empresarial tradicional. Acabar com essa prática de não internalizar as consequências da produção no ambiente e no clima. Isso é uma coisa contra a qual havia muita resistência, muita resistência das indústrias, por que essa acomodação é, sem dúvida, custosa. Vamos ter mecanismos regulatórios para internalizar as externalidades.
Valor: Diante do aumento dos gastos e do déficit público nos Estados Unidos, há quem pergunte por que não deveríamos fazer a mesma coisa no Brasil. Por que não aumentar a oferta de crédito, reduzir o spread bancário e irrigar o mercado de crédito por meio dos bancos estatais?
Bacha: Por que o Brasil não é o foco dessa crise. Não tem nada na nossa estrutura econômica e financeira que tenha dado origem à crise. Muito pelo contrário, estávamos progressivamente criando mecanismos internos, inclusive de natureza política, para ter uma taxa de crescimento mais acelerada, quando fomos surpreendidos por essa crise de origem externa. Os nossos problemas são de outra natureza. Temos de lidar com as repercussões internas de uma crise externa e com uma questão ainda não resolvida: as contas públicas. As contas públicas do Brasil continuam sendo deficitárias, ao contrário do Chile, por exemplo, onde são superavitárias. Temos uma dívida pública muito elevada, ao contrário do Chile, onde a dívida pública inexiste. Cito o Chile porque é um país em que, claramente, há espaço para uma política fiscal expansionista. Aqui no Brasil, não. Eu acho que temos de concentrar esforços para nos contrapormos à força da crise externa, vendo onde temos vantagens relativas. Nas questões da política monetária e financeira temos taxas de juros muito elevadas e um spread bancário elevado, boa parte do qual se deve aos depósitos compulsórios. Portanto, utilizar a política monetária para reduzir a taxa de juros básica, o spread e os compulsórios é uma maneira mais eficaz de responder à crise. Outra coisa boa que temos é o BNDES, que apoia o desenvolvimento do mercado de capitais com a Finame. Não precisamos criar bancos novos estatais. Já temos o BNDES para substituir linhas externas de financiamento indisponíveis.
Valor: Diante da queda de arrecadação do Estado, o sr. não teme uma diminuição do superávit primário de 3,8% do PIB para manter os investimentos públicos? Ou teremos cortes no custeio?
Bacha: Gostaria de ver corte de custeio. Aquele famoso projeto de limitação do crescimento da folha salarial da União que foi enviado para o Congresso e lá ficou parado tem uma oportunidade de ouro para ser aprovado. Trata-se de garantir que a folha salarial da União passe a crescer a uma taxa menor que o PIB nominal. Em janeiro, a conta que mais cresceu foi a conta de pessoal.
Valor: As exportações representam 14% do PIB, 86% vêm de demanda interna. Isso também é uma vantagem?
Bacha: Em termos de componentes da demanda, a gente tem condições de superar essa crise. O aumento relativo da demanda interna para compensar a queda das exportações é menor do que nas economias asiáticas, nas quais você tem uma participação das exportações no PIB que chega a 100%, no caso da Malásia ou de Cingapura. O vício de termos uma economia relativamente fechada nos permite compensar mais facilmente a queda de exportações com aumento da demanda interna.
Valor: Entre 2002 e 2008, a classe C, aquela com renda familiar entre R$1.115 e R$ 4.807,00, cresceu de 43% para 54% da população. Diminuição da pobreza, aumento do salário mínimo, aumento do consumo das famílias, expansão do crédito, crédito consignado, inflação baixa, Bolsa Família, esse conjunto é um fator de estabilidade diante da crise?
Bacha: São fatores que minoram relativamente o impacto, e não tenho dúvida de que, relativamente ao resto do mundo, o Brasil está sendo menos afetado. Isso é óbvio pela maneira como os mercados e a taxa de câmbio estão reagindo. Mas isso não quer dizer que não vamos ser atingidos. Não falamos do mais importante: a queda no investimento privado. Acho que o problema não é só a queda das exportações em si, mas o impacto da soma da queda das exportações com o desaparecimento do financiamento externo sobre a propensão de investir do setor privado. O investimento privado cria capacidade, introduz novas tecnologias e propicia crescimento para o futuro. Já o gasto em consumo e custeio do governo apenas mantêm o nível de atividade e de emprego, sem criar fontes de progresso permanente. Investimento público em infraestrutura, por exemplo, é uma coisa de que o Brasil decididamente precisa: mais rodovias, portos, saneamento, educação básica. Esses gastos geram demanda e também geram oferta no futuro. Essa é a distinção importante a fazer.
Valor: No Brasil há baixa alavancagem financeira de empresas e famílias e isso se deve às deficiências do sistema econômico: juros elevados, excesso de tributação de operações financeiras, direcionamento do crédito para setores privilegiados. O sistema bancário é concentrado e com alta participação de bancos públicos letárgicos, com compulsórios extravagantes. Esses vícios podem virar virtudes?
Bacha: O primeiro impacto interno de uma crise externa é a redução das exportações. Quanto maior a participação das exportações no PIB, tanto pior para o país. Como temos uma exportação relativamente baixa em relação ao PIB, este é um fator, um vício que pode virar uma virtude. Idem para o financiamento de uma economia muito dolarizada, seja de origem externa ou interna: na hora em que o dólar some, o impacto no país é muito maior do que em uma economia como a nossa, que não é nada dolarizada internamente e na qual a participação do financiamento bancário externo é reduzida, de 10% a 20%. Também é mais fácil substituir a falta de crédito externo por crédito interno. Em terceiro lugar, uma economia que tem pouca participação de financiamento público está mais sujeita aos humores negativos dos financiadores privados, que obviamente, pelo risco de inadimplência, sofrem de propensão a reduzir o total de empréstimos. Se você tem bancos públicos, fica mais fácil, no curto prazo, compensar essa queda com uma maior propensão dos bancos públicos a emprestar. Por outro lado, se você tem uma economia mais alavancada no crédito, como a americana, onde os consumidores devem mais do que 100% de sua renda, é muito difícil você arguir que um dos mecanismos para reativar seria aumentar a dívida dessas pessoas, que já é excessiva. Aqui no Brasil, não. Como a dívida é relativamente restrita, tanto das empresas quanto das famílias, você tem mais espaço para a expansão saudável do crédito sem criar problemas de endividamento excessivo do setor privado.
Valor: A queda da produção industrial em fevereiro foi maior do que a esperada. Há meses havia uma suposição de que cresceríamos 2,5% em 2009. Qual é sua previsão mais recente?
Bacha: Provavelmente, vamos crescer próximo de zero. Quando a gente pensava em crescimento da ordem de 2,5%, um dos fatores era estatístico, por que se pressupunha que o quarto trimestre do ano passado não teria sido tão ruim e haveria um "carry over" estatístico para este ano. Como o PIB do quarto trimestre caiu muito, não vai haver "carry over" nenhum. Além disso, os números da produção industrial em janeiro e em fevereiro também são ruins, tem carnaval e tudo mais, e só março não vai dar para recuperar, o que quer dizer que teremos um primeiro trimestre negativo. Enquanto isso, a situação se deteriorou mais lá fora. Poderemos ter trimestres positivos só a partir de março. Mas, ainda assim, não será o suficiente para, na média do ano, termos algo de monta.
Valor: Temos conquistas sociais e econômicas para preservar.
Bacha: Acho que precisamos, agora, de moderação. Uma coisa preocupante é a antecipação da campanha eleitoral de 2010, com embates agressivos entre governo e oposição. Acho que seria um grande erro. É mais fácil ver isso de fora do que quando você está dentro, mas é preciso somar esforços. Acho que a oposição tem de dar uma contribuição, principalmente na área legislativa, para adotar mecanismos que permitam enfrentar essa crise de maneira positiva, sem criar reflexos negativos para o futuro, como um déficit público muito maior. Também é importante fazer que o PAC funcione.

Um comentário:

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