quarta-feira, 22 de abril de 2009

G-8 admite que está perto de perder a luta contra a fome

Jornal Estado de São Paulo – 21/04/2009

Reunião do grupo de países ricos fracassa na criação de medidas para a
agricultura mundial

Jamil Chade



O G-8 admitiu pela primeira vez que a comunidade internacional está a caminho de perder a luta contra a fome e as metas da ONU de reduzir pela metade o número de famintos no mundo até 2015 não devem ser cumpridas. Mesmo assim, a reunião ministerial do G-8 (grupo de países industrializados) fracassou em criar medidas concretas para a agricultura mundial. O encontro se limitou a pedir novos estudos para avaliar o impacto de propostas como a criação de um estoque global de cereais.

As recomendações ao encontro feitas pelos emergentes, entre eles o Brasil, nem sequer foram incluídas na declaração final. Por essa razão, entidades internacionais criticaram o encontro, afirmando que serviu apenas para "admitir o fracasso total" dos países ricos em dar uma resposta à fome no mundo.

A reunião, que ocorreu de sábado até ontem, tinha uma agenda ambiciosa: apresentar uma nova estratégia mundial para o campo e para os mais de 1 bilhão de famintos. Para isso, o G-8 convidou vários países emergentes ao encontro em Treviso, na Itália. Mas, como o Estado antecipou ontem, todo o esforço quase se transformou em um fiasco. O G-8 não aceitou fechar uma declaração conjunta entre emergentes e países ricos.

Os pontos defendidos pelo Brasil foram lidos pela presidência italiana do G-8, que prometeu encaminhar a posição do Itamaraty aos chefes de Estado que se reunirão na Sardenha em julho, com a presença do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Entre eles está a conclusão da Rodada Doha da Organização Mundial do Comércio (OMC), a queda dos subsídios distorcivos e garantias de que o volume de recursos para a países pobres será ampliado.

A suposta estratégia do G-8 não passa de boas intenções. Uma delas é o pedido por mais recursos públicos e privados para investir na agricultura, principalmente dos países mais pobres. Há um reconhecimento de que investimentos terão de ser feitos para garantir o acesso a alimentos a todos até 2050. O documento não diz nem quanto nem de onde sairá o
dinheiro.

Segundo a FAO, organismo da ONU volta a assuntos de agricultura e alimentação, o mundo precisaria de US$ 30 bilhões por ano para lutar contra a fome. Os recursos são apenas uma fração do US$ 1,1 trilhão aprovado pelo G-20 para lidar com a recessão mundial.

Ontem, os ministros admitiram que o mundo está "muito longe de atingir" meta da ONU de reduzir a fome pela metade. É a primeira vez que o G-8 admite oficialmente o fracasso. De acordo com a FAO, a recessão mundial se somará à crise alimentar dos últimos dois anos e vai produzir entre 75 milhões e 100 milhões de novos famintos no mundo, passando de 1 bilhão de pessoas com fome.

O desentendimento entre europeus e americanos ainda impediu um acordo sobre a criação de um estoque mundial de grãos, que limitaria a volatilidade dos preços das commodities e ainda alimentaria países em crise. A estratégia do G-8 apenas pede estudos para avaliar a viabilidade do projeto. Luca Zaia, ministro da Agricultura da Itália, disse que a resistência vem dos americanos, que temem regulação excessiva.

A falta de consenso sobre os biocombustíveis também foi clara. A única referência era de que a expansão dos biocombustíveis "deve ocorrer de forma sustentável entre políticas energéticas e produção agrícola".Estudos do Fundo Monetário Internacional (FMI) revelaram que 30% da alta dos preços dos alimentos em 2007 e 2008 foram provocados pela expansão do etanol no mundo. O Brasil fez questão de impedir que o etanol fosse apontado como responsável pela crise alimentar e fez com que o texto "encorajasse" a expansão do combustível.

CRÍTICAS

A entidade Oxfam, que combate a pobreza no mundo, criticou o resultado do encontro. "O G-8 fracassou diante dos mais de 1 bilhão de famintos. Os ministros fizeram uma extraordinária admissão de fracasso coletivo", afirmou. A entidade sugeria que parte dos US$ 125 bilhões em subsídios dados aos fazendeiros dos países ricos fosse destinada a questões alimentares dos países pobres. Os Estados Unidos e a Europa deram apenas US$ 5,9 bilhões por ano para ajudar a agricultura no mundo.

Jacques Diouf, diretor da FAO, tentou ser diplomático. "Esperamos que agora possamos vir às negociações com soluções concretas", disse, em relação ao encontro na Sardenha em julho.

Os ministros do G-8 tentaram dar um tom positivo, alegando que, após 25 anos de queda nos investimentos na agricultura, há agora consenso de que isso deve ser revertido. "Foi um passo importante sobre como alimentar populações mais vulneráveis", disse Tom Vilsack, secretário de Agricultura dos EUA.

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