quarta-feira, 22 de abril de 2009

No fundo, a crise que atinge o mundo todo é moral

Crise financeira que afeta profundamente a economia mundial pode ser considerada, em certa medida, uma crise moral.

O problema se iniciou provavelmente em 2002, quando os mercados foram afetados pela identificação de fraudes contábeis em grandes empresas americanas que encobriam prejuízos e "fabricavam" lucros. Isso teria gerado insegurança quanto à governança dessas empresas e à qualidade dos relatórios emitidos por seus auditores independentes. Partes dos dirigentes dessas empresas recebiam ao fim de cada ano um bônus (premiação em dinheiro ou em ações) pelo desempenho positivo acima das metas acordadas, o que em uma primeira análise nos parece justo. Quanto maior o lucro dessas empresas mais os dirigentes teriam direito a um bônus maior.Entretanto, artifícios de maximização de resultados de curto prazo ou mesmo "maquiagem" de balanços foram utilizados por alguns executivos no intuito de produzir lucros fictícios, garantindo assim bônus mais interessantes.Outro forte sinal da crise foi a decadência das hipotecas americanas (financiamento da casa própria). Em busca de maiores lucros, os bancos passaram a atender segmentos de maior risco de crédito subprime e passaram a vender títulos para outras instituições, que faziam exatamente o mesmo. Após o aumento da inadimplência de quem adquiria crédito imobiliário, os bancos passaram a ter acúmulo de prejuízos, que nem sempre apareciam em seus balanços. Os resultados globais positivos dessas instituições bancárias em outras áreas encobriam os prejuízos das operações relativas ao crédito imobiliário.Para se ter uma noção, a maior seguradora americana recebeu, no fim do ano passado, cerca de US$ 170 bilhões do governo para evitar sua falência. Entretanto, na semana passada, a mesma empresa divulgou que pagaria US$ 280 milhões de bônus a seus executivos, devido a acordos contratuais. Apenas 73 pessoas ganharão mais de US$ 1 milhão e outras quatro, mais de US$ 4 milhões de dólares, cada. Percebe-se que a crise financeira é, sim, afetada por decisões, no mínimo, contraditórias. Como uma empresa multinacional que há poucos meses foi "estatizada" pelo governo americano para não entrar em falência decide tomar uma atitude dessa magnitude? Como uma empresa que apresentou prejuízos gigantescos pode se propor a pagar bônus milionários a seus dirigentes? O sistema de bonificação nessas empresas precisa ser repensado. Não há como tais inconsistências persistirem. As crises financeiras, muitas das vezes, advêm de atos moralmente controversos e sistêmicos. Mas que fique bem claro: não é a economia que corroba com a ineficiência desses mecanismos.

PARA ENTENDER

Governança: Trata-se da transparência na gestão das empresas e do equilíbrio entre os sócios, a prestação de contas e a responsabilidade corporativa, garantindo-se informações claras sobre como essas empresas são administradas .
Auditores: Prestadores de serviços que são responsáveis pela análise das operações contábeis de uma empresa, seguindo as normas estabelecidas e geralmente aceitas pelo mercado. Eles são quem emite parecer sobre as condições econômicas dessas empresas.
"Subprime": Trata-se de um cliente de renda muito baixa, com histórico de inadimplência e com dificuldade de comprovar renda. Nesse caso, o risco de uma dívida não ser paga é maior, mas, em compensação, a taxa de retorno é bem mais alta.
Estatizada: No contexto do artigo, trata-se da transferência de uma empresa de propriedade privada para propriedade ou controle do Estado.

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