quarta-feira, 22 de abril de 2009

G20 acena com medidas heterodoxas

Ministros das Finanças não detalham propostas, mas falam em estimular demanda e atacar problema de "ativos tóxicos" Dirigentes do G20 também concordam em unir esforços para elaborar medidas efetivas e aperfeiçoar mecanismos de regulação
CLÓVIS ROSSI ENVIADO ESPECIAL A LONDRES
Os ministros da Fazenda e presidentes de bancos centrais do G20 (as maiores economias do mundo) anunciaram ontem a disposição de adotar até "instrumentos não-convencionais de política" [monetária] na ânsia de enfrentar uma crise que o diretor-gerente do FMI (Fundo Monetário Internacional), Dominique Strauss-Khan, batizou de "A Grande Recessão". Alistair Darling, ministro do Tesouro britânico e, como tal, o anfitrião da reunião do G20, disse que os participantes reconheceram a dimensão da crise: "Não há ninguém no mundo que não reconheça que se trata do maior desafio que o mundo enfrenta em gerações". O problema é que foram pouco específicas as respostas desenhadas ontem pelos responsáveis financeiros por países que respondem por cerca de 85% da economia global.
"Ainda não tivemos efeitos práticos dos pacotes e é preciso implementá-los e sentir os efeitos do primeiro estímulo em vez de já começar a discutir um próximo" ANGELA MERKEL chanceler
Mesmo os "instrumentos não-convencionais" não foram especificados nem na declaração final nem nas entrevistas coletivas posteriores. Darling deixou a cargo de cada país a escolha dos instrumentos, convencionais ou não, ao afirmar que "o modelo tamanho único não é o enfoque mais apropriado". Mas, em certo momento, lembrou a política que o Banco da Inglaterra adotou na semana passada, de comprar, em vez de vender, títulos em poder de investidores. Trata-se, na prática, de injetar dinheiro diretamente na veia da economia, para superar a trombose do sistema financeiro, na medida em que a expectativa é a de que os investidores usem o dinheiro recebido para colocá-lo no jogo econômico, movimentando a demanda. Mas Darling fez questão de dizer que não houve, durante a reunião de ministros, sermões sobre cada qual deveria fazer.
"Um banco ruim em um país afeta bancos bons em qualquer país" GORDON BROWN primeiro-ministro britânico A Folha perguntou a Timothy Geithner se ele podia dar ao menos um exemplo concreto de "instrumento não-convencional" de política monetária. Geithner fugiu: "Acho que você deveria fazer a pergunta aos nossos banqueiros centrais". Seja qual for a heterodoxia, não é a estatização de bancos ou de outras empresas que receberam ou ainda vão receber dinheiro público. O comunicado final é claro em afirmar que "as companhias", de modo geral, ficam melhor no "setor comercial", ou seja, em mãos privadas.
Receita De todo modo, a reunião de ontem cobriu todos os temas previstos, divididos em três grandes áreas: estimular a demanda, virtualmente congelada na maior parte dos países do G20, em especial nos grandes; reformar as instituições financeiras internacionais, inclusive pelo aperfeiçoamento da regulação/supervisão; e atacar o problema dos chamados "ativos tóxicos", cuja remoção do sistema financeiro é condição preliminar para que os bancos voltem a emprestar dinheiro, sem o qual a economia obviamente não funciona. Tanto nos comunicados emitidos após a reunião como nas entrevistas houve empenho em falar em coordenação internacional e em demonstrar unidade entre os participantes -uma maneira de enfrentar o noticiário da semana que fazia uma contraposição entre Europa e Estados Unidos. Estes insistiram em novos pacotes de estímulo à economia, enquanto os europeus diziam que já haviam feito o necessário e era preciso esperar o efeito do já decidido. Fla-Flu financeiro Mas esse Fla-Flu econômico-financeiro, tal como a Folha havia antecipado ontem, terminou em empate: o documento fala em "tomar qualquer ação que seja necessária até que o crescimento seja restaurado". Geithner traduziu esse trecho na seguinte frase: "Quanto mais forte for a resposta [à crise] mais cedo se dará a recuperação". Em tese, portanto, deu-se por satisfeito com os termos do comunicado distribuído ontem. Os europeus também ficaram satisfeitos, na medida em que está prometida uma regulação/supervisão abrangente de todas as instituições, mercados e instrumentos financeiros "sistemicamente importantes" -tal como insistiram líderes europeus como Nicolas Sarkozy (França) e Angela Merkel (Alemanha). Os europeus culpam os "hedge funds" e os mercados de derivativos pela crise -e dizem que esse tipo de instrumento opera basicamente a partir dos Estados Unidos. Ou de paraísos fiscais que também entraram na mira das críticas. Não faltou a menção ritual à necessidade de "lutar contra todas as formas de protecionismo", tal como já havia ocorrido na cúpula do G20 de Washington. Compromisso que passa alegremente por cima do fato de que, depois dessa cúpula, 19 países do G20 adotaram medidas de alguma forma protecionistas, de acordo com os cálculos de Carla Hills, ex-chefe do Comércio Exterior norte-americano. Agora, caberá aos chefes de governo, que se reúnem sempre em Londres, no dia 2 de abril, pôr carne política e números econômicos nos compromissos de seus ministros.

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